“A vida só pode ser compreendida, olhando-se para trás; mas só pode ser vivida, olhando-se para frente.”
(Soren Kierkergaard)
No final do século XIX o filósofo alemão Friedrich Nietzsche declarou: “O que conto é a história dos dois próximos séculos. Descrevo o que vem, o que não pode vir de outro modo: o advento do niilismo. Que significa niilismo? – Que os valores supremos desvalorizaram-se”. Nietzsche proclamara que Deus, o valor supremo, já não era o centro e condutor da sociedade moderna e que a ciência estava se transformando numa indústria com o foco apenas no desenvolvimento econômico e temia que o avanço técnico do homem, sem progresso paralelo na ética e na auto compreensão, culminaria numa crise de valores sem precedentes. Espantosamente, pouco depois no século seguinte (XX) o mundo sofreu mais de 40 guerras de proporções catastróficas com uma estatística alarmante, em um único século o número de mortos ultrapassou a marca que levou quase um milênio para ser atingida!
Esse fato histórico, para ser melhor compreendido, deve ser contextualizado a luz dos acontecimentos da Europa do século XIX, onde um conjunto de ideologias como:
- Romantismo / XVIII 1790 – XIX 1820, origem do emocionalismo contemporâneo, vitimismo. Caracterizado por tratar dos assuntos de forma pessoal, de acordo com opinião individual sobre o mundo sem relacioná-los entre si. Trata-se sempre de uma opinião parcelada, dada por um indivíduo que baseia sua perspectiva naquilo que as suas sensações captam. O “ego” é o centro de tudo, subjetivismo exagerado.
- Positivismo – August Comte /1798-1857, segundo o positivismo, as superstições, religiões e demais ensinos teológicos devem ser ignorados, pois não colaboram para o desenvolvimento da humanidade.
- Darwinismo – Darwin / 1809-1882, também conhecida por Evolucionismo, surgiu em oposição a ideia do Criacionismo, que alega que todas as criaturas vivas na terra surgiram a partir de uma criação de Deus.
- Materialismo Histórico de Marx / 1818 – 1883, teoria que explica indivíduo e sociedade a partir da sua materialidade excluindo a espiritualidade dentre outros aspectos da condição humana.
Estes movimentos repercutiram de forma negativa e impactante no comportamento da sociedade não apenas na Europa, mas no mundo inteiro. Como podemos notar, este turbilhão de ideias se conjugaram e interferiram diretamente na cultura da sociedade europeia retirando-lhe a capacidade de se autorregular na medida em que a violência e a desvalorização da vida aumentaram comprometendo seu próprio futuro.
Em todos os movimentos citados existe um ponto de conexão sensível e sintomático: a rejeição de Deus. Nas palavras proféticas do escritor russo Dostoiévski: “Se Deus está morto, tudo é possível!”. Para elevarmos a questão a um outro patamar devemos compreender que a ideia ou tentativa de conceituá-lo, dentro de uma perspectiva ontológica¹¹Ontologia significa “estudo do ser” e consiste em uma parte da filosofia que estuda a natureza do ser, a existência e a realidade. A “prova ontológica” é uma das provas clássicas sobre a existência de Deus, que indica que se a mente humana pondera a existência de um ser perfeito, esse ser deve existir, pois a existência é um requisito de todos os seres. Assim, ao contemplar Deus como um ser perfeito e infinito, a sua existência é comprovada. , abarcamos toda a realidade, ou seja, mesmo para os ateus, negando ou afirmando ele sempre estará presente. Para negar algo precisamos reconhecê-lo, afirmar a presença ao menos como ideia. Como negar aquilo que não faz parte do seu imaginário ou existente no campo da consciência?
Nenhum pensador lúcido negará a importância de Deus para o desenvolvimento e progresso da humanidade. Todo intelectual sério e honesto sabe que buscar Deus sempre impulsionou a carruagem da história a procura de superação de barreiras. A ausência não existe sem a presença, a falta de fé não é prova contrária à sua existência. A questão que se impõe é reconhecer os limites da natureza humana. Na história da humanidade houve sempre aqueles que na sua infantil esperança e ignorância quiseram rebaixá-lo à condição humana, a descrença em Deus não é prova de força intelectual. Exemplificando a questão é como alguém afirmar que o ar não existe porque não consegue enxergá-lo. No entanto, como carece de argumentos razoáveis opta por impotência e ressentimento, negá-lo. Eis o paradoxo, é preciso reconhecer os limites das ideias niilistas²²(Do latim nihil, nad.) Doutrina segundo a qual o absoluto não existe. No séc. XIX, constitui a princípio uma corrente de pensamento – professada principalmente pelos intelectuais russos por volta de 1860 – 1870 – caracterizada pelo pessimismo metafísico do prolongamento do positivismo de Comte, e, pelo ceticismo com relação aos valores tradicionais (morais, teológicos, estético). Em Nietzsche, designa em primeiro lugar ausência de fins determináveis. Em Heidegger, corresponde à última etapa do esquecimento do ser (o século XX): a partir do momento em que não existe mais nada do ser e da verdade, o homem se obnubila no ente e destrói a natureza. que não oferecem um modelo sustentável para colocar em seu lugar. Até mesmo o ateu Sartre reconheceu esse problema em uma de suas passagens: “Com a morte de Deus ficou um vazio do tamanho de Deus”. O que fazer diante desta crise?
Por onde andamos, convivemos e ouvimos falar a palavra “crise”, já estamos familiarizados com esse tema. Mas chama a atenção o número expressivo de pessoas que encontram-se insensíveis a gravidade deste problema. Estas, não assumem mais a responsabilidade pelas próprias ações e nem preservam os seus semelhantes. Acreditam que a existência individual não se corresponde com a coletividade. Sem valores não há noção de hierarquia, existe uma contracultura, isso quer dizer que a ordem natural das coisas é invertida, relativizada e instrumentalizada para que o indivíduo use conforme interesses próprios e conforto, e não o bem comum.
Sendo assim, vivendo apenas para as questões imediatas sem pensar nos meios e somente nos fins, o destino é à autodestruição. Faz-se necessário um novo caminho, de recobrarmos nossas raízes mais profundas ligadas a ética e sabedoria para que a humanidade, os nossos filhos, possam existir. Para ilustrar a questão, o pensador Kierkergaard nos convida a refletir que o passado, presente e futuro não devem ser separados para que possamos ter a perspectiva de continuidade e possibilidade de futuro. A ausência de consciência temporal e valores são vistas no imediatismo expressado de forma perigosa nos dias de hoje com o termo “Carpe Diem” (aproveite o dia), levando muitos jovens a viver de forma leviana e inconsequente o hoje, ou que “é preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã. Porque se você parar pra pensar na verdade não há”. Será mesmo?
Recorro há um pensamento que reflete o espírito que precisamos encarnar: “Amo aqueles que plantam árvores mesmo sabendo que nunca se sentarão em sua sombra. Plantam árvores para dar sombras e frutos para aqueles que ainda não nasceram”. Espero que quem esteja lendo este texto compreenda sua mensagem, e a veja como uma ponte para abrir novas portas e horizontes através da filosofia. Muitas vezes as respostas podem estar na própria interrogação.
Conto com vocês! Afetuosamente,
Daniel Miura.
¹ Ontologia significa “estudo do ser” e consiste em uma parte da filosofia que estuda a natureza do ser, a existência e a realidade.A “prova ontológica” é uma das provas clássicas sobre a existência de Deus, que indica que se a mente humana pondera a existência de um ser perfeito, esse ser deve existir, pois a existência é um requisito de todos os seres. Assim, ao contemplar Deus como um ser perfeito e infinito, a sua existência é comprovada.
² (Do latim nihil, nad.) Doutrina segundo a qual o absoluto não existe. No séc. XIX, constitui a princípio uma corrente de pensamento – professada principalmente pelos intelectuais russos por volta de 1860 – 1870 – caracterizada pelo pessimismo metafísico do prolongamento do positivismo de Comte, e, pelo ceticismo com relação aos valores tradicionais (morais, teológicos, estético). Em Nietzsche, designa em primeiro lugar ausência de fins determináveis. Em Heidegger, corresponde à última etapa do esquecimento do ser (o século XX): a partir do momento em que não existe mais nada do ser e da verdade, o homem se obnubila no ente e destrói a natureza.